Reforma Tributária: a bomba-relógio que vai explodir nos contratos empresariais

Muito mais do que uma simplificação do sistema, a reforma tributária sobre o consumo, com a criação do IBS e da CBS e a adoção da não cumulatividade plena, inaugura uma era que pode desmontar por completo a lógica contratual que vigorou nas últimas décadas no Brasil. O sistema atual, ainda que repleto de distorções, obrigava empresas a criar arranjos contratuais complexos para sobreviver. A mudança que começa em 2026, e se estende até 2033, rompe esse paradigma e redefine totalmente a relação entre preço, custo, pagamento e crédito. Quem não se preparar terá contratos frágeis, vulneráveis e possivelmente desastrosos.

As empresas precisarão redesenhar suas matrizes de risco e governança, porque a apropriação de créditos tributários passa a depender da extinção do débito do fornecedor. Isso significa que, se o parceiro falhar, o prejuízo cairá diretamente sobre quem não incluiu cláusulas de responsabilidade claras. A transição não será rápida nem suave: durante oito anos, conviveremos com os antigos tributos sendo substituídos gradualmente. Nesse período, cada contrato de longo prazo que não preveja cláusulas de impacto tributário funcionará como uma bomba-relógio prestes a explodir.

A ampliação da não cumulatividade torna os modelos de negócios mais sensíveis às falhas contratuais. Estruturas verticalizadas ou com múltiplas camadas de fornecedores, antes sustentadas por engenharia fiscal, podem se revelar completamente ineficientes. O que antes era apenas burocracia agora se transforma em risco concreto de falência. Se a empresa não adaptar seus contratos para disciplinar prazos de pagamento, emissão correta de notas fiscais, obrigações de split payment e mecanismos de estorno e devolução, ficará presa a glosas de créditos, multas e correções que corroem margens de forma irreversível.

Mesmo nos preços, a ilusão é perigosa. Um aumento nominal não representará, necessariamente, aumento do custo efetivo, mas sem cláusulas de neutralidade tributária devidamente detalhadas, o fornecedor poderá impor reajustes camuflados que, na prática, destroem o equilíbrio econômico da relação. E quando a glosa decorrer de erro do fornecedor, mas não houver previsão contratual clara, o adquirente amargará o prejuízo. Essa omissão será fatal.

O split payment, ainda incipiente, trará enormes desafios. A segregação do imposto no momento do pagamento vincula nota fiscal, recolhimento e fluxo financeiro, criando um trinômio que precisa estar perfeitamente regulado em contrato. Qualquer falha nesse elo pode gerar responsabilidade solidária, estourar o caixa da empresa e levá-la a enfrentar autuações milionárias. Sem cláusulas precisas sobre quem recolhe, quem presta contas, como se processam estornos e devoluções, o risco será incontrolável.

Ignorar essa realidade é caminhar para margens corroídas, insegurança fiscal, perda de competitividade e longos contenciosos. Apenas as empresas que revisarem imediatamente seus contratos, adaptando cláusulas de preço, responsabilidades tributárias, mecanismos de neutralidade e gatilhos de reequilíbrio, terão condições de atravessar a tormenta. As demais, ao insistirem na inércia, estarão condenando a si mesmas a um colapso financeiro e jurídico que pode se tornar irreversível.

Dr. Ledson Catelan
Advogado e Professor Universitário. Mestre em Direito e Especialista em Direito Empresarial, Família e Sucessões, Trabalhista Patronal e Bancário.

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