A compra de um lote ou de um imóvel na planta representa, para milhares de famílias brasileiras, muito mais do que uma simples transação imobiliária. É o passo concreto rumo ao sonho da casa própria. Mas basta um imprevisto, como uma demissão, um problema de saúde ou uma crise financeira, para que esse sonho comece a ruir. E o que deveria ser um direito legítimo se transforma em um labirinto de frustração e injustiça.
A figura do distrato, que nada mais é do que a rescisão do contrato de compra e venda, está prevista em nosso ordenamento jurídico como uma alternativa válida para o consumidor que, por razões justificadas, não pode mais honrar o compromisso assumido. A legislação ampara esse direito de forma clara: é possível desistir da compra. No entanto, o que se vê na prática é um cenário em que essa desistência se transforma em punição.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, de forma geral, considera razoável a devolução de até 90% dos valores pagos, mas ainda em 2025, o mercado insiste em contratos com cláusulas abusivas que preveem a perda quase total dos valores pagos, como se o comprador fosse culpado por sofrer um revés financeiro. E o mais grave: essas cláusulas continuam sendo aplicadas por loteadoras e incorporadoras que contam com a inércia ou fragilidade do consumidor para não questionar judicialmente tais abusos.
Já atendi casos de famílias que pagaram durante anos por um lote e, quando decidiram desistir diante de uma mudança no cenário familiar ou profissional, descobriram que, segundo o contrato, teriam direito a quase nada de volta. Um verdadeiro pesadelo jurídico travestido de contrato.
É preciso olhar para essa realidade com mais empatia e responsabilidade. O consumidor não redige o contrato. Ele apenas o assina. Muitas vezes, sob pressão, na empolgação da compra, acreditando que está garantindo um futuro melhor. A empresa, por sua vez, redige as cláusulas, lucra com a entrada, com as parcelas e, se houver desistência, revende o mesmo bem por valor igual ou até maior. Ou seja, lucra duas vezes.
Esse desequilíbrio afronta diretamente princípios essenciais do Direito, como a boa-fé contratual e a vedação ao enriquecimento sem causa. Além disso, desrespeita o que prevê o Código de Defesa do Consumidor, que proíbe cláusulas abusivas e garante proteção à parte vulnerável da relação contratual.
É hora de romper com essa lógica perversa. O distrato não pode ser tratado como um ato de má-fé ou uma afronta contratual. É um mecanismo legal de proteção ao consumidor. Negá-lo, ou dificultá-lo com cláusulas leoninas, é negar o próprio direito à dignidade.
O que está em jogo não é apenas uma quantia em dinheiro. É o esforço de uma família, o sonho de uma vida, a frustração de um projeto interrompido. A Justiça tem sido, muitas vezes, o único refúgio. E, felizmente, tem reconhecido o direito de quem foi lesado.
Que este debate ganhe força. Que mais consumidores saibam que têm direitos. E que o mercado aprenda, de forma definitiva, que contrato não é armadilha. É compromisso, e deve ser justo para ambas as partes.
*Wesley Ozório, Advogado especialista em Direito Contratual e Imobiliário