IOF e a engenharia do confisco: o furto com articulação jurídica e marketing político

O IOF, imposto com nome técnico e aparência neutra, segue sendo um dos instrumentos mais eficazes do Estado para tributar de forma silenciosa, regressiva e disfarçada. A narrativa do “tributar os ricos” foi novamente utilizada para justificar a tentativa do governo de aumentar sua arrecadação por meio dos Decretos nº 12.466 e 12.467, supostamente como medida de justiça fiscal. Mas a realidade, mais uma vez, desmente o discurso.

Essa engenharia fiscal ganhou novo capítulo com a decisão do ministro Alexandre de Moraes, que, em liminar monocrática, manteve quase toda a estrutura dos decretos, validando o aumento das alíquotas do IOF sobre diversas operações financeiras, especialmente câmbio e serviços contratados no exterior. Revogou apenas um ponto: a tentativa de tributar o “risco sacado”, ou seja, a antecipação de recebíveis usada por empresas brasileiras, especialmente as de pequeno e médio porte.

A decisão tem efeito imediato e impediu que o governo ampliasse a base de incidência do IOF sem respaldo em lei. Moraes entendeu que a criação dessa nova hipótese de incidência por decreto violava o princípio da legalidade estrita em matéria tributária. Entretanto, não impediu o aumento de alíquotas sobre fatos geradores já previstos na legislação, o que permite ao Executivo manter a arrecadação sobre operações de câmbio, cartões internacionais e remessas para o exterior.

Embora a exclusão do risco sacado represente uma renúncia estimada de R$ 450 milhões em 2025 e R$ 3,5 bilhões em 2026, o núcleo da tributação regressiva permanece intocado. O impacto recai especialmente sobre consumidores e empresas que operam em ambiente digital, que contratam serviços no exterior, que consomem plataformas internacionais ou que compram produtos com insumos importados. Ou seja, atinge uma camada da população muito mais ampla do que aquela que a retórica política tenta pintar como “elite”.

Dizer que o IOF atinge apenas os mais ricos é uma distorção. O tributo incide sobre fatos jurídicos, como liquidação de câmbio e operações de crédito, e não diretamente sobre a pessoa ou sua renda. O encargo, portanto, é repassado ao longo da cadeia produtiva até o consumidor final, mesmo que ele jamais tenha realizado diretamente a operação tributada. É o típico confisco invisível: silencioso, legalizado e institucional.

Mais grave: os decretos não alteravam o IOF sobre investimentos no exterior ou movimentações patrimoniais, que são os instrumentos clássicos das classes mais altas. O aumento incidia sobre remessas para educação, turismo, serviços digitais e uso de cartões internacionais. Ou seja, sobre consumo ordinário, não sobre grandes fortunas.

A manutenção dessa estrutura, agora chancelada pelo Supremo, confirma a institucionalização da regressividade fiscal no Brasil. Enquanto se discute quem são os ricos, os pobres continuam arcando com a maior parte da carga, de forma fragmentada e imperceptível, dentro do preço de cada produto, de cada serviço, de cada mensalidade digital.

No fim, o episódio do IOF é mais um exemplo de como o Estado brasileiro opera com habilidade técnica para tributar sem escândalo. Como adverte A Arte de Furtar, o furto mais seguro e louvado é aquele feito com aplauso. E é exatamente isso o que se consagra quando se vende como justiça o que é, na prática, confisco velado.

Explicações jurídicas complementares

1. Princípio da legalidade tributária (art. 150, I, da CF/88)
Tributos somente podem ser instituídos ou majorados por lei. A Constituição autoriza, em caráter excepcional, que o Poder Executivo altere alíquotas do IOF por decreto, conforme prevê o art. 153, §1º da Constituição. Isso, no entanto, não permite a criação de nova hipótese de incidência tributária, como tentou fazer o governo ao incluir o risco sacado.

2. Diferença entre majoração de alíquota e criação de novo fato gerador
Enquanto a alíquota pode ser ajustada por ato do Executivo, o fato gerador (isto é, o evento que dá nascimento à obrigação tributária) precisa estar expressamente previsto em lei formal. A tentativa de enquadrar o risco sacado como operação de crédito tributável extrapolava esse limite e, por isso, foi revogada por Moraes.

3. Regressividade dos tributos indiretos
Tributos como o IOF incidem sobre o consumo e sobre operações econômicas, o que significa que são repassados aos preços dos bens e serviços. Isso gera efeito regressivo, pois proporcionalmente afetam mais os contribuintes de baixa renda, que consomem quase toda sua renda líquida.

4. Princípio da seletividade tributária
Previsto no art. 153, §3º, inciso I, da Constituição, esse princípio recomenda que os tributos incidam com maior intensidade sobre bens e serviços de luxo, preservando bens essenciais. A aplicação ampla do IOF, inclusive sobre operações educacionais e de saúde no exterior, afronta esse princípio material, mesmo que de forma indireta.

5. Controle judicial de constitucionalidade dos decretos
A decisão de Moraes reafirma que decretos presidenciais estão sujeitos ao controle de constitucionalidade, especialmente quando extrapolam os limites da autorização legal. Neste caso, o STF exerceu seu papel de guardião da legalidade estrita em matéria tributária, mas ainda assim validou uma estrutura fiscal profundamente regressiva.

Dr. Ledson Catelan
Advogado e Professor Universitário (Unemat BBU)
Mestre em Direito
Especialista em Direito Empresarial, Trabalhista Patronal, Família e Bancário
@ledsoncatelanadvocacia

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