Compliance e Igualdade: Por que o Viés de Gênero Ainda Sabota a Justiça Corporativa

Estudo revela que mulheres que denunciam assédio são vistas como “problemáticas” enquanto agressores em cargos de liderança continuam protegidos. Estratégias de diversidade e liderança engajada são chave para virar esse jogo.

No ambiente corporativo, o viés de gênero segue sendo um dos maiores desafios para políticas de compliance realmente eficazes. Mesmo com avanços nas denúncias e debates após o movimento #MeToo, muitas mulheres ainda enfrentam retaliações veladas, silenciamento e descrédito ao apontar abusos e desigualdades dentro das empresas.

Esse viés — um desvio sistemático de julgamento baseado em estereótipos — afeta diretamente a forma como denúncias são recebidas e apuradas. Situações como salários desiguais para funções equivalentes, demissões arbitrárias após retorno da licença-maternidade ou exclusão de promoções durante o período reprodutivo são apenas alguns exemplos de como a percepção sobre a “disponibilidade” e “produtividade” feminina é distorcida por padrões ultrapassados.

Mais grave ainda é a forma como isso interfere em investigações internas de assédio. Em casos de assédio moral, a vítima, geralmente mulher, muitas vezes é responsabilizada pelo constrangimento sofrido. No caso de assédio sexual, episódios são relativizados como “brincadeiras” — especialmente em ambientes dominados por culturas corporativas masculinizadas.

Uma pesquisa da Harvard Business Review mostrou que mulheres que denunciam abusos têm maior chance de serem vistas como desleais ou problemáticas, enquanto seus agressores — principalmente quando ocupam cargos de chefia — recebem o benefício da dúvida. Essa dinâmica perpetua a impunidade e enfraquece a confiança nos canais internos de denúncia.

E mesmo que os dados indiquem redução em formas explícitas de coerção sexual após o #MeToo, o ambiente ainda está longe de ser seguro. Um estudo publicado pelo MIT Sloan Management Review revelou que mulheres têm 41% mais chances de vivenciar uma cultura tóxica no trabalho do que os homens, enfrentando microagressões, silenciamentos e desvalorização profissional.

A solução passa, obrigatoriamente, por ações estruturadas. Entre elas, a composição diversa de comissões internas para apuração de denúncias é crucial. Comissões compostas apenas por homens tendem a minimizar o impacto das situações de abuso. A presença feminina — e, mais ainda, uma abordagem interseccional envolvendo raça, classe, idade e orientação sexual — garante mais empatia, escuta ativa e decisões justas.

Outro ponto-chave é a capacitação constante de equipes de compliance e RH. É preciso treinar esses profissionais para reconhecer formas sutis de violência de gênero e desconstruir preconceitos ainda arraigados nas estruturas corporativas.

O Judiciário brasileiro, por exemplo, já utiliza o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, e esse modelo pode ser adaptado para o ambiente empresarial, assegurando investigações mais seguras e justas para as vítimas.

Empresas que investem em programas de compliance com recorte de gênero, mentorias para mulheres, rodas de conversa com homens, análise de viés em apurações e liderança engajada colhem frutos a longo prazo. Além de promoverem justiça, se tornam mais atraentes para investidores, melhoram o clima organizacional e fortalecem sua reputação.

Desta feita, o viés de gênero continua sendo uma barreira silenciosa, porém poderosa, que mina o crescimento feminino e compromete a integridade das empresas. Mas ele pode ser enfrentado com coragem, liderança e inclusão.

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