Sua vida não se resume a um crachá

 

O Brasil registrou, em 2024, o maior número de afastamentos do trabalho por transtornos mentais dos últimos dez anos. Foram mais de 470 mil casos, em sua maioria relacionados a ansiedade e depressão. Esse dado, que poderia ser apenas estatístico, revela algo muito mais profundo sobre como estamos vivendo e sobre o preço que estamos dispostos a pagar para manter um padrão de produtividade cada vez mais exigente.

Por trás dos números estão pessoas reais. Profissionais que acreditaram que dar tudo de si no trabalho seria suficiente para construir uma carreira sólida e garantir reconhecimento. Mas, para muitos, o resultado foi um corpo que adoeceu, uma mente exausta e uma vida que pareceu perder o sentido. As demandas de performance não param, mas o corpo e a mente têm limites. O corpo sempre cobra a fatura — e, quando essa cobrança chega, ela não pede licença.

O Setembro Amarelo, mês de prevenção ao suicídio, nos convida a refletir justamente sobre isso. Não se trata apenas de evitar o ato extremo, mas de enxergar os pequenos sinais de sofrimento que surgem muito antes. A tristeza que não passa, o cansaço que não melhora, o desânimo que deixa de ser um dia ruim para se tornar rotina. Quando ignorados, esses sinais se transformam em sofrimento crônico, em isolamento, em desesperança. É aí que o risco de um desfecho trágico cresce.

Trabalhar é importante, mas não pode ser o único eixo da vida. A identidade de uma pessoa não pode se reduzir ao crachá que ela carrega ou à meta que precisa bater. Quando o trabalho ocupa todos os espaços, não sobra lugar para o descanso, para as relações, para o simples prazer de existir. É nesse ponto que precisamos resgatar a ideia de que saúde mental é tão essencial quanto qualquer conquista profissional.

Como psicóloga, defendo que o cuidado com a mente não deve ser visto como luxo, mas como prioridade. Buscar ajuda quando necessário, estabelecer limites, conversar sobre o que dói, tudo isso é forma de prevenção. Também precisamos exigir de empresas e instituições ambientes de trabalho mais saudáveis, onde seja possível existir como ser humano e não apenas como recurso de produção. A saúde mental precisa ser pauta coletiva, não apenas individual.

O Setembro Amarelo é um convite para lembrar que a vida vale mais que qualquer cargo. A sua história, seus afetos, sua saúde, tudo isso é maior que o resultado de uma planilha. Não espere que o corpo cobre com juros. Prevenir é olhar para si, é admitir que precisa de pausa, de escuta, de tratamento. É um ato de coragem e, muitas vezes, o primeiro passo para viver

Inara Paula Silveira é Psicóloga

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