Funcionários e franqueados da Cacau Show, maior rede de franquias do Brasil, vêm denunciando um ambiente de trabalho repleto de abusos, rituais de cunho místico e represálias severas para quem se opõe às práticas impostas pela liderança. Em um dos episódios mais simbólicos, todos os colaboradores da sede são convocados, em determinados dias, a se vestirem de branco e entrarem descalços em uma sala escura, iluminada apenas por velas, onde repetem cânticos guiados pelo fundador e CEO da empresa, Alexandre Tadeu da Costa, conhecido como Alê Costa.
Apesar de a participação nesses rituais não ser obrigatória, há relatos de que aqueles que demonstram resistência ou desinteresse passam a sofrer retaliações dentro da empresa. Segundo ex-funcionários, o clima nesses encontros é solene, com tom de prece, e reforça uma espécie de devoção à figura do CEO.
As denúncias não param nos rituais. Um documento acolhido pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) aponta uma série de abusos cometidos dentro da Cacau Show. Entre eles, estão a proibição velada para que funcionárias engravidem, episódios de gordofobia com humilhações públicas, discriminação estética, homofobia com piadas ofensivas contra pessoas LGBTQIA+ e casos de assédio moral e sexual, frequentemente ignorados pela alta direção.
De acordo com o material enviado ao MPT, o medo é constante entre os funcionários: “A maioria das vítimas tem medo de denunciar e sofre em silêncio, pois a franqueadora tem mão de ferro e gosta de perseguir e retaliar não apenas franqueados, como funcionários e ex-funcionários que ousem falar sobre os abusos”, afirma o documento.
O mesmo clima de coerção é relatado por diversos franqueados, que descrevem a experiência como a de uma “seita corporativa”. Aqueles que questionam diretrizes da marca são punidos com medidas que inviabilizam o funcionamento de suas lojas, como o envio de produtos com validade próxima do vencimento ou com baixa saída. Há ainda registro de retirada de crédito como forma de punição, obrigando os empresários a fazerem compras à vista — prática considerada inconstitucional em decisão da 25ª Vara Cível de Brasília.
“É inequívoco que a política interna da demandada afronta o princípio constitucional da liberdade profissional […] constitui mero revanchismo, uso arbitrário das próprias razões por via transversa”, escreveu o juiz Julio Roberto dos Reis em sua sentença.
Diante das represálias, franqueados insatisfeitos criaram um perfil nas redes sociais, chamado “Doce Amargura”, para compartilhar seus relatos de forma anônima. A responsável pela página, ainda ativa como franqueada, foi surpreendida com a visita presencial do vice-presidente da empresa, Túlio Freitas, que teria perguntado “o que era preciso” para que ela interrompesse as postagens. Ela agora tenta romper judicialmente seu contrato com a franqueadora.
Em nota oficial, a Cacau Show afirmou que “não reconhece as alegações apresentadas pelo perfil Doce Amargura em redes sociais” e reiterou seus valores: “Somos uma marca construída com base na confiança mútua, no respeito e na conexão genuína com nossos franqueados”.
A empresa justificou ainda que as visitas realizadas pelo vice-presidente às lojas têm “caráter profissional” e são destinadas a “fortalecer o relacionamento com os franqueados”. A nota encerra afirmando que a Cacau Show “não compactua com qualquer conduta que contrarie esses valores” e que segue comprometida com seu propósito institucional.
As investigações do MPT seguem em andamento.