Durante a instalação da mesa técnica que vai tratar do superendividamento dos servidores públicos estaduais, nesta segunda-feira (26), o presidente do Tribunal de Contas de Mato Grosso (TCE-MT), conselheiro Sérgio Ricardo, defendeu a revisão urgente do Decreto nº 691/2016, que regulamenta os empréstimos consignados no estado. O texto atual permite descontos de até 70% da renda líquida dos servidores, e a proposta inclui a criação de um teto legal para impedir abusos no comprometimento salarial.
“O que estamos debatendo é o reflexo de uma situação desorganizada que afeta diretamente a vida funcional dos servidores. O TCE vai atuar para organizar esse cenário, com sugestões e orientações. Um dos pontos principais é a revisão completa do decreto atual, que tem dispositivos confusos e permite empréstimos de até 70% da remuneração. Também sugerimos à Assembleia Legislativa a criação de uma lei que estabeleça um teto claro”, afirmou Sérgio Ricardo.
Segundo dados da Secretaria de Planejamento e Gestão (Seplag), quase 60% dos servidores estaduais têm empréstimos consignados, com média de cinco contratos por pessoa. Mais de 20 mil comprometem mais de 35% da renda, e 7,8 mil ultrapassam o limite de 70%. Apenas entre maio de 2024 e abril de 2025, os repasses às instituições financeiras somaram R$ 1,7 bilhão.
A mesa técnica foi proposta pelo conselheiro Guilherme Antonio Maluf e instalada em conjunto com a Assembleia Legislativa, reunindo ainda o Ministério Público, Defensoria Pública, sindicatos e órgãos do Executivo. A iniciativa foi motivada por denúncias de irregularidades, incluindo casos extremos em que servidores chegam a comprometer 99% da remuneração com dívidas.
“O quadro é gravíssimo. Muitos sequer têm acesso aos contratos assinados, e há instituições que não prestam contas ao Banco Central. O servidor virou presa fácil. Precisamos agir com urgência para evitar o colapso emocional e financeiro de milhares de famílias”, alertou Maluf, que presidiu a CPI dos Consignados em 2018.
A Comissão Permanente de Normas (CPNJur), sob relatoria do conselheiro Valter Albano, será responsável por conduzir os estudos e elaborar uma proposta consensual a ser votada pelo Pleno do TCE. “Não se combate uma crise dessa magnitude no escuro. Vamos dimensionar o problema, identificar as distorções e propor medidas corretivas com base técnica e segurança jurídica”, pontuou o conselheiro José Carlos Novelli.
A gravidade da situação foi reforçada por parlamentares e entidades sindicais. A deputada Janaina Riva revelou mais de 12 mil operações suspeitas, muitas feitas pelo WhatsApp, sem envio de documentos físicos e com valores inferiores ao contratado efetivamente repassados aos servidores. “Há casos em que o servidor achava que pegou R$ 10 mil, recebeu R$ 5 mil e pagava juros sobre o valor cheio. Estimamos prejuízo acima de R$ 500 milhões”, disse.
O deputado Wilson Santos criticou a ausência de ações após a CPI dos Consignados. “O Legislativo cumpriu seu papel. Produzimos relatório completo com recomendações, mas não temos poder de execução. Agora, é hora dos órgãos competentes agirem com responsabilidade.”
Já o deputado Henrique Lopes destacou a pressão econômica enfrentada por servidores. “Sem recomposição salarial, o crédito consignado virou armadilha. É preciso frear essa sangria que favorece bancos e destrói vidas.”
A presidente da FESSP-MT, Carmem Machado, cobrou a suspensão imediata dos contratos por 180 dias e relatou assédio e ofertas abusivas por parte das instituições financeiras. “Estamos sendo golpeados de todos os lados. Os poderes precisam agir para estancar esse absurdo.”
O presidente do Sinpaig, Antônio Wagner, revelou que o sindicato já recebeu mais de 250 denúncias de contratos não entregues pelos bancos. “Quem esconde o contrato, esconde o crime. Todos os que tivemos acesso estavam com valores abaixo do prometido.”
Durante a reunião, o procurador-geral de Justiça, Rodrigo da Fonseca, confirmou a instauração de inquérito civil para apurar os fatos e defendeu auditoria individualizada de todos os contratos consignados. “Com indícios tão graves, só uma análise técnica pode separar o que é legal do que é fraude.”
O secretário de Planejamento, Basílio Bezerra, afirmou que o Governo está atento, mas limitado. “A administração pública não pode intervir nas relações particulares dos servidores, mas quando provocada, toma medidas conforme a norma.”
A reunião contou ainda com a presença dos conselheiros Waldir Teis e Gonçalo Domingos Neto, dos deputados Lúdio Cabral, Paulo Araújo e Eduardo Botelho, da defensora pública Elianeth Nazário, do controlador-geral do Estado, Paulo Farias Nazareth Netto, e do subprocurador da PGE, Leonardo Vieira.