Primeiro juiz de Sinop narra desafios e os legados em 40 anos de fundação da Comarca

Considerada uma cidade polo de Mato Grosso, Sinop celebrou 51 anos de fundação no dia 14 de setembro de 2025. Entre os fatores que marcam a pujança e o desenvolvimento da cidade, o que inclui a atividade econômica aquecida pelo agronegócio, também está a presença ativa do Poder Judiciário, que no dia 13 de setembro comemorou 40 anos da instalação da Comarca do município.

Criada pela Lei nº 4.716, de 5 de julho de 1984, e oficialmente instalada em 1985, a Comarca acompanhou de perto a trajetória da cidade e tornou-se um dos pilares da organização social, política e econômica da região norte de Mato Grosso.
Para celebrar essa data histórica, a Associação Mato-grossense de Magistrados (AMAM) resgatou a memória da Justiça local, entrevistando o primeiro juiz que atuou em Sinop, o magistrado aposentado Antônio Paulo da Costa Carvalho, e a atual diretora do Foro, juíza Melissa de Lima Araújo, que hoje conduz os rumos da Comarca.

Os primeiros passos: desafios da instalação

Em entrevista, o juiz aposentado Antônio relembrou os desafios da criação da Comarca, em um período marcado pela expansão da ocupação da Amazônia Legal e pela formação de novos municípios.

“Antes de ir para Sinop, após eu tomar posse como juiz substituto, fui designado para responder conjuntamente na mesma Vara do então juiz, hoje desembargador aposentado do TJMT, José Ferreira Leite. Depois fui designado para materializar as instalações físicas do prédio onde sediaria o fórum a ser inaugurado, quando deveria tomar posse como seu primeiro juiz após capacitar o prédio para seu funcionamento”, relata.

O magistrado detalha que um grande desafio que lhe foi incumbido pelo então presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), desembargador Ernani Vieira de Souza, que morreu em 2010, foi o de operar as instalações do prédio onde seria o Fórum, instalado inicialmente em um edifício da Cooperativa Celeste.

A providência das mobílias dos futuros cartórios, salas de audiência, salas para os dois magistrados, para o tribunal do júri, a abertura de concurso, a seleção e o treinamento dos servidores, tudo foi coordenado, organizado e orientado por Antônio.

Dois anos após da instalação da Comarca, chegou o juiz Carlos Alberto, que passou a reforçar o trabalho da Justiça na região.

Além das dificuldades logísticas, o Antônio Paulo enfrentou situações delicadas ligadas à grilagem de terras na região. Em 1986, ele levou ao então Ministro da Justiça, Paulo Brossard, denúncias de conflitos agrários em Santo Antônio do Rio Bonito. A atuação do Judiciário, com apoio do TJMT e da comunidade, foi decisiva para a reintegração de mais de cem famílias às suas terras, garantindo a pacificação social.

“Esse episódio marcou profundamente minha passagem pela Comarca, pois conseguimos restabelecer direitos e trazer paz a centenas de famílias ameaçadas pela violência dos grileiros”, relembrou.

Reflexões e legado

Por ocasião da celebração dos 40 anos da Comarca, em uma cerimônia que reuniu membros do Poder Judiciário, do Ministério Público, da advocacia, autoridades políticas e religiosas de Sinop, o magistrado aposentado Antônio Paulo da Costa Carvalho, lançou o livro “Magistratura, Modernidade e Ordem Democrática”, obra na qual propõe uma profunda reflexão aos operadores do Direito na sua também função de reconstrutores da democracia.

“Quero observar que os juízes atuais são dedicados ao fiel cumprimento da lei, crentes na prestação jurisdicional isentas, para muitos, neutra. Mas só isso não é desejável. Muitos juízes agem de boa-fé sem compreensão de que vivemos numa sociedade de estrutura social iniqua e devem, portanto, ter um compromisso histórico como defensores da democracia”, ressalta o juiz.

Antônio ressalta, ainda, que cabe aos magistrados terem consciência de que a vida política “condensa relações de forças fortemente antirrepublicanas”. “Assim, devem buscar caminhos conceituais para compreender a condição humana e iluminar seus trabalhos com fecunda produção jurisprudencial sempre visando os direitos humanos e a democracia”, pontua.

O juiz se aposentou em 1998 e desde então, dedica-se à advocacia, à literatura e a defender os valores que sempre inspiraram sua trajetória como operador do Direito, entre os quais o zelo pela democracia.

O presente e o futuro da Comarca de Sinop

Quatro décadas depois da fundação, a Comarca de Sinop se consolidou como uma das mais importantes do Estado. A atual diretora do Foro, juíza Melissa de Lima Araújo, destaca a evolução histórica e os marcos dessa caminhada.

“Nestes 40 anos, a Comarca cresceu junto com Sinop, acompanhando os desafios sociais, econômicos e populacionais, sempre com o compromisso de garantir acesso à Justiça e cidadania”.

Com 21 anos de magistratura, a juíza está há dois anos na Comarca e afirma ser uma honra dirigir o Fórum neste momento simbólico.

“É uma grande responsabilidade valorizar a história construída por magistrados, servidores, advogados e cidadãos que ajudaram a consolidar o Judiciário como referência de credibilidade”.

Atualmente, a Comarca conta com 13 juízes em 14 varas judiciais e um quadro de 132 servidores, estagiários e terceirizados. O estoque processual gira em torno de 70 mil ações em andamento, revelando a dimensão da demanda.

Entre os projetos para o futuro, a magistrada aponta a construção do novo Fórum e a ampliação das iniciativas de modernização e aproximação com a sociedade. “Nosso foco é assegurar um Judiciário eficiente, humano e acessível, capaz de acompanhar o crescimento de Sinop e de responder, com qualidade, às demandas da comunidade”.

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