O vídeo do influenciador Felca denunciando a “adultização” de menores na internet gerou um raro consenso no Congresso sobre a necessidade de proteger crianças e adolescentes no ambiente digital. No entanto, para parte da esquerda, o episódio se tornou mais do que um alerta social: é também uma oportunidade para aprovar projetos de regulação das redes sociais com alcance muito mais amplo.
Nos últimos meses, cerca de 30 projetos foram protocolados na Câmara, vindos de deputados de esquerda, direita e centro, todos focados na punição e restrição da exposição de crianças online. Apesar do consenso sobre a proteção infantil, parlamentares governistas associaram qualquer resistência aos textos a uma suposta “conivência” com crimes contra menores, transformando a pauta em instrumento de pressão política.
Na prática, isso significa que medidas que poderiam ser aprovadas rapidamente passam a vir atreladas a dispositivos que ampliam o poder estatal e abrem espaço para censura, especialmente de conteúdo político ou crítico ao governo.
No Executivo, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, anunciou que Lula enviará ao Congresso um projeto “prioritário” para regular as Big Techs, afirmando que “liberdade de expressão não é autorização para cometer crime” — frase alinhada ao discurso do ministro Alexandre de Moraes no STF.
O detalhe é que a maior parte dos crimes expostos por Felca não envolve liberdade de expressão. Ainda assim, o governo usa o caso para sustentar uma regulação das redes muito além da proteção infantil, incluindo medidas criticadas por organizações de imprensa e especialistas em direitos digitais por criarem riscos de controle político do debate público.
Parlamentares como Guilherme Boulos e Erika Hilton (PSOL) aproveitaram o momento para acusar opositores de proteger interesses das plataformas e minimizar crimes contra crianças. Hilton chegou a distorcer uma declaração do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), que se disse contrário a projetos com brechas para censura, transformando a fala em suposta ameaça de impedir votações sobre exploração infantil.
Lindbergh Farias (PT-RJ) também utilizou a pauta para criticar a prioridade legislativa da oposição, contrapondo a votação de projetos de proteção infantil com a defesa da PEC do foro privilegiado e da anistia a presos de 8 de janeiro.
O movimento de vincular causas de forte apelo popular — como a proteção de crianças — a agendas polêmicas, como a regulação de conteúdo político nas redes, não é novidade. Em 2021, Lula já havia afirmado que, se eleito, regulária “os meios de comunicação”. Agora, parte da esquerda busca capitalizar o impacto emocional do caso Felca para avançar propostas que, em condições normais, enfrentariam resistência significativa.