Levantamento divulgado pelo Observatório Caliandra do Ministério Público de Mato Grosso revelou um dado alarmante: mais de 70% dos feminicídios registrados no estado em 2025 ocorreram dentro das residências das vítimas. Os números, atualizados até 30 de junho, apontam ainda que a maior parte dos crimes foi cometida com armas cortantes ou perfurantes, como facas, facões e canivetes, utilizadas em 43% dos casos.
Ao todo, o painel contabilizou 28 feminicídios no período. Em dois deles, a punibilidade foi extinta pela morte do autor, enquanto 15 assassinatos já foram denunciados pelo Ministério Público, com base na nova Lei 14.994/2024, que criou o artigo 121-A do Código Penal, classificando o feminicídio como crime autônomo.
A maior parte dos crimes, segundo o Observatório, ocorreu à noite e teve como motivação o machismo, representado por situações de ciúmes, sentimento de posse, menosprezo, discriminação de gênero e conflitos relacionados a separações ou tentativas de rompimento. Essas circunstâncias responderam por 75% das mortes motivadas pela condição de gênero.
O perfil das vítimas também preocupa. A faixa etária mais atingida foi a de mulheres entre 25 e 29 anos, com seis casos, seguida pelos grupos de 40 a 44 anos (cinco vítimas) e de 50 a 54 anos (quatro mortes). Os autores, em sua maioria, eram companheiros (14 casos) ou ex-companheiros e namorados (6 casos). Em pelo menos quatro situações, as vítimas já haviam registrado episódios anteriores de violência doméstica, mas apenas duas estavam com medidas protetivas em vigor.
A promotora de Justiça Claire Vogel Dutra, titular da 15ª Promotoria Criminal e coordenadora do Núcleo de Enfrentamento à Violência Doméstica da Capital, destacou a importância da transparência e do acesso às informações para o enfrentamento dessa realidade. “Precisamos enxergar essas estatísticas como um alerta coletivo, que exige ações firmes do Estado e o envolvimento da sociedade como um todo”, afirmou.
Claire ressalta que o levantamento diário dos dados permite identificar padrões de agressão e orientar a formulação de políticas públicas mais eficazes. “Esse cenário agrava o sofrimento das mulheres e compromete a confiança da população no sistema de Justiça”, alertou.
O caso da jovem Emelly Beatriz Azevedo Sena, de 16 anos, assassinada em março, ilustra a gravidade dos crimes cometidos em Mato Grosso. Grávida de nove meses, ela foi morta, teve o corpo ocultado e a filha recém-nascida retirada. O Ministério Público denunciou a acusada por feminicídio, tentativa de aborto, subtração de recém-nascido, ocultação de cadáver e outros crimes. O promotor Rinaldo Segundo destacou que o assassinato configura feminicídio, praticado com evidente menosprezo à condição de mulher da vítima.
As estatísticas do Observatório Caliandra são atualizadas diariamente e acompanham a classificação e o andamento processual dos casos, permitindo que homicídios inicialmente registrados como dolosos sejam reclassificados para feminicídio conforme as investigações avançam.