Em um país onde aposentados muitas vezes sobrevivem com o mínimo, depender do INSS não é apenas uma condição — é, para muitos, uma sentença de aperto financeiro. Agora, uma nova denúncia revela que parte do pouco que esses brasileiros recebem está sendo descontado indevidamente para beneficiar sindicatos e bancos. O centro desse escândalo é o Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos da Força Sindical (Sindnapi), que tem como vice-presidente Frei Chico, irmão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Segundo reportagem do portal Metrópoles, aposentados estão sendo filiados ao sindicato sem autorização, muitas vezes no momento da contratação de empréstimos consignados nas agências do Banco BMG. A prática configura, na visão de especialistas, uma espécie de “venda casada disfarçada”, na qual os documentos de filiação são embutidos no processo de liberação do crédito — resultando em descontos mensais automáticos na folha de pagamento do beneficiário, sem que ele perceba ou tenha autorizado conscientemente.
Aumento Explosivo de Receita
Dados de uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) apontam que o Sindnapi teve um crescimento vertiginoso em sua arrecadação: um salto de R$ 100 milhões em apenas três anos. O número de filiados quase triplicou, passando de 170 mil para 420 mil. A dúvida que paira é: quantos desses se filiaram por vontade própria?
O caso de José Luiz Gregório, 63 anos, morador da Bahia, escancara o modus operandi do esquema. Ele só descobriu que era “sócio” do sindicato quando buscou esclarecimentos junto ao próprio INSS. “Nunca ouvi falar desse sindicato. Nunca assinei nada”, afirmou. Mesmo assim, o Sindnapi apresentou à Justiça uma foto e um áudio em que Gregório supostamente aceita a filiação — o que, para o Tribunal de Justiça da Bahia, não bastou como prova de consentimento explícito. A Corte cancelou o contrato e determinou a devolução dos valores cobrados, embora tenha negado indenização por danos morais.
CGU Confirma Irregularidades
Auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) reforça a gravidade do problema: em entrevista com 26 aposentados supostamente filiados ao Sindnapi, 20 afirmaram jamais ter autorizado a associação. Mesmo assim, os descontos ocorriam mês a mês — silenciosos, automáticos e, muitas vezes, ignorados pelos afetados até que a renda apertasse ainda mais.
O sindicato argumenta que oferece benefícios, como assistência funeral e remédios gratuitos, e que o processo de filiação é documentado por fotos e gravações. Alega ainda que não há venda casada, já que “95% das pessoas que procuram crédito não se tornam sócias”. No entanto, especialistas alertam para a vulnerabilidade dos idosos e a opacidade desses contratos — frequentemente apresentados em meio à papelada do empréstimo.
Relações Perigosas: Sindicatos e Bancos
O caso expõe a fragilidade do sistema de consignados, que deveria ser um suporte emergencial para aposentados, mas tem se transformado em armadilha. A proximidade entre sindicatos e instituições bancárias, como o BMG, cria um terreno fértil para abusos — especialmente quando envolve populações vulneráveis e pouco familiarizadas com processos digitais e jurídicos.
O Sindnapi, por exemplo, mantinha parcerias com o BMG e até uma cooperativa de crédito ligada ao Sicoob. Ainda que negue irregularidades, os números levantados pelos órgãos de controle mostram que a prática se alastrou, e a arrecadação disparou sem a devida transparência.
Pressão e Quedas no Governo
As revelações contribuíram para a abertura de inquérito pela Polícia Federal, que deflagrou a Operação Sem Desconto em abril deste ano. A investigação levou à queda do presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, e do então ministro da Previdência, Carlos Lupi. Apesar disso, o Sindnapi não foi alvo direto das buscas e nega qualquer irregularidade.
Mesmo sem provas de envolvimento do presidente Lula, a presença de seu irmão na cúpula de uma entidade suspeita exige, no mínimo, uma apuração rigorosa e independente — com transparência total.
O Que Precisa Mudar
O escândalo deixa claro que é urgente rever os Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) que permitem que sindicatos operem dentro do sistema do INSS. Qualquer desconto em folha precisa ser precedido de consentimento explícito, individual, e comprovável. O Estado deve proteger quem mais precisa — e isso começa por respeitar o salário, a autonomia e a dignidade dos aposentados.
Enquanto isso, milhares de brasileiros continuam à mercê de práticas abusivas, com descontos invisíveis corroendo suas já escassas aposentadorias. O mínimo que se espera das autoridades é ação rápida, firme e ética. A dignidade não pode ser parcelada. Muito menos, consignada.