SUS à deriva: laqueadura em grávida e cirurgias feitas sem exames

 

Uma investigação conduzida pelo Site Deixa Que Eu Te Conto revelou um cenário alarmante de falhas médicas, omissões graves e suspeitas de articulações políticas e empresariais envolvendo o sistema de saúde pública de Sinop e Terra Nova do Norte, no norte de Mato Grosso.

Relatos colhidos ao longo de semanas apontam um padrão: pacientes do SUS são encaminhados para procedimentos cirúrgicos em Terra Nova do Norte e retornam a Sinop com complicações sérias — incluindo infecções, perfurações internas e até uma laqueadura realizada em uma mulher que estava grávida sem saber.

As denúncias também reacendem o alerta sobre o envolvimento de figuras conhecidas por escândalos anteriores na área da saúde. O nome de Luiz Vagner Golembiouski, delator de um esquema que desviou R$ 87 milhões da saúde em Sinop, volta a aparecer. Sua empresa, MedClin, está entre as que prestam serviços médicos aos municípios citados.

O caso de A.K.L., de 23 anos, é um dos mais chocantes. Após ser submetida a uma laqueadura em Terra Nova do Norte, ela voltou para casa sentindo dores. Dias depois, dois homens que se identificaram como médicos a visitaram e fizeram um curativo improvisado na própria casa dela, sob luz de celular. Eles identificaram um ponto cirúrgico mal resolvido, mas não tinham sequer material para sutura.

“Nem conseguiram fechar o corte. Fui internada na UPA dias depois com suspeita de infecção generalizada”, relata.

 

Outro caso grave é o de J.V., que descobriu estar grávida após já ter feito uma laqueadura. “Não pediram exame de gravidez. Tomei anestesia, remédios, e agora corro risco de vida junto com meu bebê”, disse, visivelmente abalada. Ela afirma que a regulação de Sinop falhou em seguir protocolos básicos de segurança.

F.R.M.E.S., operado por hérnia inguinal, teve a bexiga perfurada. Ao tentar retirar a sonda, desmaiou de dor. Foi liberado do hospital mesmo sem exames adequados — o hospital sequer possuía aparelho de ultrassom. Ele só sobreviveu após ser levado às pressas para atendimento particular.

 

A investigação também identificou a atuação direta de uma assessora parlamentar da Assembleia Legislativa na intermediação de encaminhamentos médicos. E há ainda relatos sobre a participação do vereador Gilsimar Silva (MDB), apontado por pacientes como o responsável pela entrega das guias de regulação em seu gabinete.

Em um dos episódios, a própria paciente A.K.L. afirma ter recebido uma ligação do vereador, pedindo que ela “esquecesse tudo” e “parasse de falar com jornalistas”, sob promessa de resolver a situação.

 

Duas empresas aparecem em diversos relatos: SOS Serviços Médicos, de Paulo Oliveira da Silva, e a MedClin, de Luiz Vagner Golembiouski — este último, delator da Operação Cartão-Postal, que investigou um esquema de desvio milionário na saúde de Sinop em 2023. Ambas são apontadas como prestadoras de serviços às prefeituras envolvidas.

Uma receita assinada pelo atual secretário de saúde de Sorriso, Vânio Jordani, e entregue a uma paciente em papel timbrado da SOS, prescreve antibiótico em dosagem questionada por especialistas.

Em um dos pontos mais graves da denúncia, pacientes relataram ter sido orientados a não buscar os hospitais públicos de Sinop após apresentarem complicações. Em vez disso, eram direcionados à clínica particular MedClin — onde atua o secretário municipal de saúde de Sinop, Orodovaldo Miranda.

“Disseram que na MedClin teria médico me esperando de madrugada, mas preferi ir à UPA, onde fui internada imediatamente”, relata A.K.L.

Funcionários da saúde de Sinop teriam tentado transferi-la de volta para Terra Nova contra sua vontade, mas a equipe de enfermagem interveio.

 

A reportagem questionou formalmente os secretários de saúde de Sinop e Terra Nova, bem como a Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso, o gabinete do vereador Gilsimar Silva e os responsáveis pelas empresas citadas. Nenhum respondeu até o fechamento desta matéria.

Gravidade exposta

Os casos documentados não são falhas isoladas. A investigação aponta para uma possível rede de interesses, marcada por negligência médica, conivência institucional e uso político do sofrimento de cidadãos que dependem do SUS.

A reportagem seguirá acompanhando o caso e publicará novos desdobramentos. O espaço segue aberto para manifestações de todos os citados, inclusive o Ministério Público e demais órgãos de fiscalização.

Enquanto isso, pacientes como A.K.L., J.V. e F.R.M.E.S. seguem lutando para sobreviver — não apenas aos procedimentos mal executados, mas também ao silêncio de um sistema que deveria protegê-los.

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