Lei de Recuperação e Falência: impactos e desafios para o agronegócio brasileiro

Atualização legislativa impõe novas regras, restringe acesso à recuperação judicial e pressiona produtores rurais em meio a endividamento crescente

Com a promulgação da Lei 14.112/2020, que atualizou profundamente a Lei 11.101/2005, o regime de recuperação e falência passou a exigir mais rigor, transparência e provas de regularidade por parte das empresas, incluindo aquelas do setor rural. A novidade veio em um momento delicado: mesmo com bom desempenho nas exportações, muitos produtores enfrentam queda de preços, juros altos e dificuldades para acessar crédito.

Recuperação no campo: avanço com barreiras

A possibilidade de o produtor rural pessoa física requerer recuperação judicial foi consolidada pela jurisprudência, desde que haja comprovação de exercício da atividade por mais de dois anos. A inscrição na Junta Comercial é obrigatória apenas no momento do pedido, e pode ser feita de forma declarativa, conforme entendimento do STJ (Tema 1.145).

No entanto, a nova legislação também trouxe várias restrições: dívidas ligadas a Cédulas de Produto Rural com liquidação física, créditos sem contabilidade ou não relacionados diretamente à atividade rural, e aquisições de imóveis nos três anos anteriores ao pedido de recuperação, foram excluídos da abrangência do processo.

Constatação prévia e fiscalização

Outro ponto crítico é a chamada constatação prévia. O juiz pode nomear profissional para averiguar se a empresa está em funcionamento e se a documentação apresentada é regular, antes mesmo de deferir o processamento da recuperação. Embora visa garantir mais segurança jurídica, a exigência pode representar entrave às empresas que já se encontram fragilizadas.

DIP Financing e novas possibilidades

A atualização legislativa também regulamentou expressamente o “DIP Financing” (financiamento durante a recuperação judicial). Com autorização judicial, a empresa pode buscar crédito para manter operações e evitar a falência, com garantias sobre bens do ativo não circulante. O credor que libera os valores com base em decisão judicial tem proteções legais adicionais, o que tende a estimular o mercado de crédito em tempos de crise.

O agronegócio e os dados alarmantes

Apesar do bom desempenho macroeconômico do agronegócio em exportações, o número de recuperações judiciais explodiu. Segundo dados da Serasa Experian, apenas em 2023 houve um aumento de 535% nos pedidos por produtores rurais pessoa física. Os maiores índices estão em estados como Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais.

Entre os fatores estão a queda nos preços das commodities, altas taxas de juros, problemas climáticos como o El Niño e a forma de concessão de crédito, muitas vezes focada em uma safra apenas, dificultando o planejamento e o reinvestimento.

Considerações finais

A reforma da Lei de Recuperação trouxe celeridade e segurança ao processo, mas também elevou a complexidade e as exigências. Para o empresariado rural, isso significa necessidade de maior planejamento contábil, registro formal da atividade e cautela jurídica para obter os benefícios do sistema.

A legislação evoluiu, mas ainda desafia o equilíbrio entre a proteção aos credores e a preservação da empresa, princípio basilar do direito empresarial brasileiro.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *